"A Filha do Palhaço" emociona ao enxergar o vazio causado pelo abandono
Uma história de reconexão e reconhecimento entre pai e filha
"A Filha do Palhaço" reconhece a beleza na tentativa de reconexão entre pai e filha sem deixar reforçar o impacto do abandono na relação dos dois. O diretor Pedro Diogenes se recusa a perseguir lágrimas fáceis. Ele prefere o vazio preenchido pelo afeto num filme que respeita o tempo dos seus personagens. O cineasta se compromete em traduzir o desconforto causado pela distância.
Renato (Demick Lopes) não "conhecia" a sua filha Joana (Lis Sutter). E a responsabilidade era dele. O comediante trocou a paternidade por uma história de amor incontrolável. Uma escolha confrontada quando ela resolve passar uns dias na sua casa. No recanto de um artista, a presença da adolescente gera um desajuste que Diogenes revela sem concessões. Sem julgamentos precipitados também. Da falta de diálogo entre pai e filha nasce uma história movida pela curiosidade.
Em "A Filha do Palhaço" o vazio só não é mais evidente do que o elo que unia os dois. Um laço solidificado quando o abandono se transforma em presença. E a presença leva a uma troca de experiências capaz de mudar a impressão que um tinha do outro. É comovente notar como o cineasta nunca se rende a pressa de um cinema comercial que muitas vezes dilui a complexidade de certos temas à procura de emoções superficiais. Diogenes se concentra no tempo desperdiçado. Nas experiências nunca vividas.
É um estudo de personagem que se constrói a partir da sensação de perda e do distanciamento emocional causada por ela. Porque Joana logo se encanta pela coragem do homem que ela nunca conheceu. Pela liberdade dele. Pela arte. Pelas escolhas. Logo - também - Renato se encanta pela filha que ele escolheu não criar. Pela maturidade dela. Pela personalidade. Pela capacidade da adolescente em dar uma segunda chance. Uma história de reconexão conduzida com muita sensibilidade por Pedro Diogenes. Com muito estilo também. Sempre centrada na criação desse vínculo entre pai e filha.
É bonito como a arte "empurra" os personagens. Como as cores preenchem sutilmente espaços até então opacos. O homem que escondia as suas emoções na comédia se revela um pai diferente que a filha esperava encontrar. Renato apresenta um novo mundo a Joana. Um mundo colorido em sua fachada, mas silencioso em sua intimidade. Um mundo real que desafia os dois a lidarem com o peso das consequências. "A Filha do Palhaço" não é apenas um filme sobre um pai à procura de uma segunda chance. É também uma história de amadurecer narrada a partir dos olhos curiosos de uma adolescente disposta a tentar entender.
Nesse sentido, é interessante notar como o realizador coloca pai e filha num patamar de igualdade (inclusive cênico). Renato tinha muito a dizer, mas ainda mais a escutar. Uma troca de experiências sincera que move essa história de reaproximação sem tirar o foco das individualidades. Sem precipitar decisões. Sem sugerir que o tempo perdido seria facilmente recuperado. Porque a beleza das cenas em que pai e filha entram em perfeita sintonia vêm sempre acompanhadas de uma sensação de vazio sugestiva. São breves momentos de felicidade interrompidos pela certeza que tudo poderia ser diferente.
Só que ainda assim, "A Filha do Palhaço" saboreia esses momentos em pequenas grandes cenas cheias de afeto. O tempo para quando Renato dança com a sua filha ao som de um hit do passado. Ou quando Joana experimenta uma dose de cachaça ao lado do pai. Ou quando as verdades reprimidas são ditas sem pudor. Nessas cenas, Diogenes interfere o mínimo possível na ação. Seus planos médios procuram a criação de intimidade entre os dois. Sem interrupções. É o nascer das futuras lembranças do pai que abandonou e da filha que não esqueceu. São movimentos de câmera sutis que procuram - E ACHAM - as emoções genuínas.
Um senso de verdade realçado pelas tocantes atuações de Demick Lopes e Lis Sutter. Os dois estão sempre atentos à dor silenciosa dos seus personagens. Lopes enxerga a culpa no desconforto gerado pela falta de diálogo. Sutter, por sua vez, carrega nos seus olhos curiosos um misto de admiração e rancor autoexplicativos. E mesmo quando o roteiro se rende a algumas pequenas viradas um tanto antecipáveis, Diogenes compensa ao nunca permitir que o seu filme caía num lugar comum simplista. A cena em que Renato é confrontado pela ex-esposa é de um potência dramática que diz tudo.
São palavras ríspidas acompanhadas por segundos de silêncio que sublinham o peso de cada escolha. "A Filha do Palhaço" usa a arte como um expressivo fio condutor num filme que emociona ao defender que o único antidoto para o vazio causado pelo tempo perdido são as memórias criadas com a presença.
Com distribuição da Embaúba Filmes, “A Filha do Palhaço” chega nessa quinta-feira (30) nos cinemas.