"A Vítima Invisível" se dispõe a humanizar aquela que só foi julgada, mas não se liberta do sensacionalismo
Doc na Netflix tem problemas, mas ousa ouvir quem só foi invalidada
Antes de mergulhar na análise de “A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samúdio”, o novo documentário ‘true crime’ da Netflix, eu preciso fazer uma reflexão sobre o caso.
É um absurdo que só agora, quase 15 anos depois, alguém tenha tido o cuidado em revelar detalhes sobre esse crime covarde na posição da vítima. Da mulher que não foi ouvida, foi julgada pela mídia e foi sempre muito diminuída. O primeiro grande mérito da produção Netflix dirigida por Juliana Antunes é esse. Dar uma história a Eliza. Escutar ela. Entender as origens dela.
O melhor de “A Vítima Invisível” tá aqui. Quando o documentário se distancia da cronologia dos fatos para mergulhar no passado disfuncional daquela mulher, para enxergar a angústia dela ao se ver grávida e ameaçada pelo goleiro do time mais popular do Brasil. Juliana se sai bem quando flerta com a narrativa sensacionalista para atacar o sensacionalismo na cobertura do caso. Para revelar, em especial, o olhar da mídia e da sociedade para Eliza Samúdio. São registros hoje revoltantes. São falas machistas. São ataques covardes. São emissoras procurando apenas a audiência a qualquer custo.
O documentário assume o olhar de impotência de Eliza disposto a revelar a posição dela numa sociedade que foi da indiferença ao julgamento moralista sem um pingo de empatia. E encontrando brechas para expandir o olhar para o mundo do futebol. Para o status de jogadores que viram ídolos e se transformam em indivíduos imunes ao senso crítico. Toda a cobertura do caso se pautou mais na invalidação de Eliza do que propriamente nas suspeitas sobre o goleiro Bruno. Ela foi julgada. Atacada covardemente nas redes sociais. Chamada de “maria chuteira”, “oportunista”, “louca”. Ele seguiu jogando. Seguiu sendo protegido por uma estrutura machista que o documentário expõe na superfície.
Eu encontrei um outro olhar aqui, mas isso nem sempre é o bastante. Porque “A Vítima Invisível” perde o foco quando se prende demais a lógica cronológica dos fatos. Na segunda metade do documentário, Juliana só requenta situações amplamente conhecidas. Detalhes do julgamento. O choque de versões. A investigação. É como se a produção Netflix empurrasse Eliza para a invisibilidade de novo para atender “exigências” tão comuns no segmento. Só que dessa vez com a intenção de expor os verdadeiros culpados e de entender os desdobramentos desse crime.
“A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samúdio” termina preso a lógica narrativa do gênero ‘true crime’, mas, mesmo nos momentos mais burocráticos, nunca deixa de dar voz a Eliza e aos familiares dela. E o que eles têm a dizer é doloroso de verdade.
Nota: 6/10
“A Vítima Invisível” está disponível na Netflix.