"Entrevista com o Demônio" é uma tentativa charmosa, mas errática de revitalizar o 'found footage'
Filme viral da Shudder chega ao Brasil prometendo dividir o público
O cinema de horror é um espaço fértil para tentativas. Até as frustradas ganham algum charme quando se revelam ousadas de verdade. "Entrevista com o Demônio" está entre essas tentativas oscilantes que fisgam pela curiosidade e chamam a nossa atenção até flertarem com a decepção.
O que já pode ser considerado uma virtude.
Ninguém cria qualquer expectativa com algo potencialmente frustrante. É interessante como o novo filme de terror independente da Shudder se apropria do formato 'found footage' com originalidade disposto a gerar o medo a partir da descrença do espectador. Os diretores Cameron e Colin Cairnes entendem a lógica do subgênero. Eles sabem como instigar a tensão e o terror no público através da perda da racionalidade numa narrativa sobrenatural.
O impacto do 'found footage' nasce dessa sugestão de realidade colocada em xeque quando a linha que separa o real do ficcional se dilui. É a arte da encenação dentro de uma lógica verossímil que - infelizmente - não demorou para ser saturada nas mãos de cineastas sem imaginação. "Entrevista com o Demônio" parecia disposto a revitalizar esse subgênero. A ideia de transformar um talk show dos anos 1970 no cenário da trama era muito promissora. E o empenho dos diretores em nos transportar para esse contexto faz toda a diferença.
Prestes a ver o seu programa sair do ar, um apresentador resolve arriscar tudo num especial de Halloween cheio de atrações excêntricas. Após alguns eventos estranhos, ele chama ao palco Lily (Ingrid Torelly), a única sobrevivente de um culto ocultista que chocou os EUA. E ela parecia estar possuída por algo que só a parapsicóloga June (Laura Gordon) parecia controlar. Sem medir as consequências dos seus atos, Jack Delroy (o ótimo David Dastmachian) decide entrevistar a tal entidade.
E esse é o ponto de partida de um filme que se preocupa com a construção da atmosfera.
"Entrevista com o Demônio" fisga com uma promessa de horror que respinga na farsa sensacionalista típica de alguns programas da TV nos anos 70/80/90. É intrigante ver o fluxo de acontecimentos que passam a se acumular no palco testando a nossa relação com o sobrenatural dentro da lógica do filme. Os diretores nos dá a chance de contestar a veracidade daqueles eventos. Não para criar uma reviravolta mirabolante, mas por saber que essa era a reação natural do público diante de tais entrevistas. Quem acreditou no chupacabra? Ou no ET Bilu? Ou no Toninho do Diabo? Quem achava que Uri Geller tinha o poder de entortar garfos? Ou que o INRI Cristo era um novo messias na Terra? Ninguém acreditava nessas figuras, mas o “e se…” trazia um charme especial a esses “eventos televisivos”.
Nesse sentido, é empolgante como “Entrevista com o Demônio” se compromete ao recriar a atmosfera sugestiva desses programas. Tudo nesse filme remete aos anos 1970. A maquiagem no melhor estilo "O Exorcista". Os efeitos digitais rudimentares. A introdução diegética de efeitos práticos (tem até máquina de fumaça no palco) para a criação de uma atmosfera. Os diretores assumem a farsa encenada com entusiasmo, boas ideias visuais e um design de som enervante. São ruídos sinistros. Vozes soturnas. Acordes invasivos. Eles preparam um convidativo terreno para algo grande, algo realmente provocante.
Só que, para a nossa decepção, "Entrevista com o Demônio" se perde dentro da própria proposta. Embora com personagens interessantes e alguns momentos realmente arrepiantes, o filme falha ao nunca mergulhar de cabeça na bizarrice da premissa. Tampouco na ausência de limites de um apresentador na busca pelo topo da audiência. É mais fácil buscar explicações lógicas para os tais eventos do que torná-los realmente assustadores aos olhos do público.
Um mágico não pode revelar o seu truque. Um comediante não pode explicar a sua piada. Um diretor não pode "mastigar" o teor do seu filme. "Entrevista com o Demônio" comete esses três erros ao renegar a trucagem, a sátira e a frontalidade do terror no momento em que se rende ao "final explicado". O que já não se revelava tão original assim fica pior no momento em que os diretores buscam respostas para perguntas que ninguém teve o interesse de fazer. E elas conduzem o desfecho para uma zona ridiculamente óbvia que aniquila qualquer promessa de quebra de expectativa.
"Entrevista com o Demônio" termina na superfície da sua proposta. Nunca é trash o bastante para impactar. Nem surpreendente para ser lembrado. Muito menos provocador ao ponto de ser comentado. É - apenas - uma charmosa, divertida (mas errática) tentativa de revitalizar um subgênero.
Com distribuição da Diamond Films, “Entrevista com o Demônio” já está disponível nos cinemas.