Hacks é a melhor série de comédia da atualidade - e o EMMY demorou para reconhecer isso
Uma série que amadurece a cada temporada
Demorou, mas aconteceu… Com três temporadas de atraso, “Hacks” finalmente foi consagrada pelo Emmy, o Oscar da TV americana, com o prêmio de Melhor Série de Comédia. Um reconhecimento merecido, mas eu diria protocolar. Porque no coração dos fãs da série - e de quem entende minimamente do gênero - isso já era um fato. Inquestionável até. Nenhuma série do gênero, hoje, parece tão sólida, tão capaz de se reinventar, tão engraçada também. Sempre deixando aquele gostinho de quero mais ao final de cada ano.
E é fascinante como uma série centrada na figura de uma comediante septuagenária parece amadurecer a cada temporada. Tanto textualmente, quanto tematicamente. “Hacks” estreou em 2021 se pautando muito pelo choque de gerações entre duas mulheres que queriam viver da comédia, mas precisavam lidar com os obstáculos num mundo desigual, machista e sensível ao humor. Deborah Vance (Jean Smart) parecia um ser deslocado no tempo e espaço. Uma sobrevivente. Nos cassinos de Las Vegas ela ainda tinha um palco, uma imagem a zelar, o glamour, mas era por pouco tempo.
Uma estrela egocêntrica que precisava de ajuda. E ela surge na figura de Ava (Hannah Eibinder), uma roteirista talentosa, mas cancelada por uma piada de mau gosto. Diferente de Deborah, ela não tinha conquistado nada. Não tinha nome. Muito menos glamour. Só o caos gerado pelas incertezas experimentada por muitos jovens adultos. Deborah precisava de Ava. Ava não tinha escolhas. Um choque geracional impagável que nutriu as primeiras temporadas de “Hacks”. A série criada por Lucia Aniello, Paul W. Downs e Jen Satsky enxergou na maravilhosa química entre as atrizes Jean Smart e Hannah Einbinder a chance de expandir o olhar para o mundo daquelas mulheres.
Nunca foi só sobre a comédia. Ou sobre as dificuldades de convivência entre uma mulher vaidosa com dificuldades para lidar com o envelhecer e uma jovem imatura incapaz de criar compromissos profissionais e afetivos. O caos leva a algo novo e aqui ele está diretamente ligado a uma criação de consciência feminina. O passado e o presente se unem na tentativa de - quem sabe - forjar um novo futuro. E “Hacks” explode quando, a partir das saborosas idas e vindas de Ava e Deborah, escancara as injustiças no showbiz, a desigualdade de gênero e como aquelas duas mulheres totalmente distintas foram unidas pelos mesmos obstáculos.
É fascinante como, a cada episódio, o elo entre as duas parece mais sólido. A cada temporada as vivências se confundem. O humor surge para expor as dores, as inseguranças, as frustrações e aquela inesgotável sensação de esperança que nos move diariamente. E é aqui que “Hacks” alcança todos os públicos. Na terceira temporada, em especial, a série chega ao seu ápice artístico, dramático e cômico ao entender que o amadurecer não é uma questão geracional. Ao encontrar uma nova oportunidade de realizar um sonho que o patriarcal mundo da comédia não permitiu no passado, Deborah se vê desafiada a mudar - mais uma vez. A perseguir novos sonhos. Novas piadas. Novos públicos.
Nunca é tarde para viver o novo. E a série se desarma à medida que testa o vínculo que Deborah e Ava construíram em meio a essas novidades. É comovente como a produção Max encara essas mulheres. Enxerga na prática o quão sinuosa pode ser a estrada delas rumo ao sucesso. E os sacrifícios feitos pelo caminho. O melhor de “Hacks” está sempre aqui. Nos limites ultrapassados. No afeto que leva a raiva. No orgulho que leva ao egocentrismo. No medo que leva a inconsequência. O choque deixou de ser geracional e passou a ser criativo. Um choque de “querer” movido pela ambição de duas artistas que nunca deixaram de crer nos seus respectivos potenciais. A comediante esquecida pelo tempo, agora, é lembrada. A roteirista cancelada por uma piada ruim, agora, é requisitada.
“Hacks” avança em três temporada destemidamente movida pelo carisma inesgotável de Jean Smart, pelo humor afiadíssimo de Hanna Einbinder e pelo texto intimista de uma obra que parece evoluir ao lado das suas personagens. Nunca as limitando àquilo que o mundo esperaria delas. Sempre amadurecendo. E o episódio final da terceira temporada é daqueles que toda série um dia sonhou ter. Se você não viu, corre para ver. E me agradeça depois…
Hacks (Season 3): 9/10