Longlegs: Vínculo Mortal nos desafia a encarar o medo na presença "doentia" de Nicolas Cage
O medo é real!
“Longlegs: Vínculo Mortal” possui alguns dos momentos mais genuinamente arrepiantes que o cinema de horror nos deu nos últimos 20 anos. E muito pela capacidade do diretor Osgood Perkins em extrair o horror do olhar de perversidade humano. Olhos "protegidos" por uma câmera que nutre certo pavor pela imagem do antagonista. O medo, aqui, nasce da promessa de terror escondida na obscuridade de um rosto que não deve ser visto. Perkins estabelece isso logo na perturbadora cena de abertura.
São registros de uma presença exótica. São minutos que acionam um pavor primitivo. Uma criança encontra um estranho. Não qualquer estranho. O mais estranho dos estranhos. Seguindo uma clássica lógica dos filmes de monstros, Perkins nunca mostra o rosto desse estranho. Nós sentimos a presença dele. Nós o ouvimos. Nós enxergamos o medo no rosto infantil. Mas não vemos ele. Não totalmente. O susto inicial é um alerta. Eis uma ameaça diferente. E "Longlegs" capitaliza sobre ela numa hora inicial - me arrisco em dizer - brilhante em tudo o que se propõe.
Perkins explora as noções de frontalidade do cinema de horror por outros meios. Ele se dedica na construção da atmosfera. Antes de mergulharmos na rotina de Lee (Maika Monroe), uma agente do FBI numa investigação para solucionar uma série de crimes chocantes, nós entendemos que algo está errado ao redor dela. O cineasta investe em planos que causam um desconforto natural ao retratar o vazio em torno dela. São ângulos distorcidos. Planos estáticos que reforçam a sensação de disfuncionalidade. Jump scares que se confundem com pensamentos intrusivos de um passado com algo a revelar sobre o presente da personagem.
Quanto mais mergulhamos na rotina de Lee, mais experimentamos as dúvidas que conduzem o filme para uma zona enervante. Porque a agente do FBI precisa se aproximar daquele que nós tememos para encontrar respostas. Só que nos filmes de terror, geralmente, os protagonistas querem fugir do monstro. Escapar das garras dele. Em "Longlegs", contudo, Lee precisa caçá-lo. Precisa mergulhar no mundo dele à procura de pistas. Não só sobre o caso, mas sobre a sua vida. E o que ela encontra - e nós por tabela - é o terror em estado puro.
Tudo o que diz respeito a presença de Nicolas Cage é perturbador de verdade. E não só pela caracterização sinistra. Ou pelo inacreditável trabalho vocal do ator. Existe um conceito por trás do antagonista. É quase como se Perkins condessasse nele toda a distorção/perversão do mundo real. A sua presença é arrepiante, mas tudo fica pior quando ele se faz ouvir. Cage nasceu para dar vida as esses personagens absolutamente exóticos. São poucos minutos "em cena" de fato - o que me fez lembrar do Hannibal Lecter de "O Silêncio dos Inocentes”, mas o bastante para fixar Longlegs no seleto hall de vilões do horror que dificilmente serão esquecidos. Ele canta. Ele grunhi. Ele berra. Encara-lo é um desafio.
E Perkins sabe disso. Ele tem consciência que o medo, aqui, emana da presença dessa sombria ameaça e daquilo que ela representa. O realizador desenvolve o vilão partir da nossa relação com aquilo que é visto. Ao relutar em dar um rosto a ele, o cineasta “universaliza” a ameaça. A transforma num mal presente. Que se esconde aos olhos do mundo. E que por isso ganha um caráter real. "Longlegs" nunca limita o frontal ao choque. Ao terror explícito. Ao jump scare banal. A promessa de estudo psicológico parte do olhar de Lee para ele. Da relação entre o que é visto e o que é/será lembrado. É o cinema de horror enquanto agente da verdade de uma mulher e das distorções de um homem.
Um material fértil que "Longless" descarta inexplicavelmente ao perseguir o choque pelo choque na meia hora final. No momento em que o obscuro se torna uma provocação gritante, o filme se vê na necessidade de expandir o olhar para aquele “monstro”. Só que Perkins o faz de forma tolamente auto explicativa. E pior. A partir de um argumento um tanto frágil. O problema não está somente nas escolhas narrativas, ou na provocação barata. É frustrante como a investigação de Lee expõe a natureza errática de uma trama que introduz tardiamente elementos bizarros - talvez por consciência que eles conduziriam o filme a um lugar comum tão ferozmente combatido na hora inicial.
É sinistro? É! Mas não é isso que torna "Longlegs" um filme arrepiante. O terror, no fim, está impresso no expressivo olhar acuado de Maika Monroe. Na soturna construção de atmosfera. Na presença doentia de Nicolas Cage. No invasivo design de som. Na atmosfera macabra que invade espaços comuns. Um filme que - infelizmente - termina como muitos títulos do gênero, mas a hora inicial é para poucos.
“Longlegs: Vínculo Mortal” está disponível nos cinemas.