"Maníaco do Parque" é um retrato falado grosseiro e contraditório sobre um crime que chocou o Brasil
Nada de novo no gênero true crime
“Maníaco do Parque” é o novo filme true crime brasileiro lançado pelo Prime Video e assim... Todo filme começa como uma página em branco para mim. Eu já tinha a exata noção que o longa estrelado por Silvero Pereira era dirigido por Mauricio Eça, da pavorosa trilogia “A Menina que Matou os Pais”. Só que, mesmo assim, a minha mente estava aberta. Na expectativa que essa não fosse mais uma produção sensacionalista sobre uma chocante história real. Adivinha? Ela é! E digo mais... Esse é o menor dos problemas do filme.
Em 1998, Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, se tornou um rosto popular nas páginas policiais brasileiras por cometer uma série de assassinatos no Parque do Estado, em São Paulo. As suas vítimas eram mulheres atraídas por ofertas de trabalho como modelos para ensaios fotográficos. Um crime que chocou o país e foi inconsequentemente explorado pelos jornais sensacionalistas da época. A partir desse ponto, “Maníaco do Parque”, o filme, poderia - de verdade - se tornar um estudo interessante sobre um tipo de jornalismo muito popular no Brasil até o final dos anos 2000. Só que o diretor Mauricio Eça, a partir do texto de L.G Bayão, não parece ter a mínima ideia de como articular esse comentário sobre a cultura dos tabloides brasileiros a partir dessa história real.
As expectativas eram baixas, eu sei, mas nada poderia me preparar para o olhar do diretor para a figura desse serial killer. Não é só exagerado. Ou oportunista. É uma caricatura de um homem doentio. O que fica logo claro na inacreditável cena de abertura. O talentoso ator Silvero Pereira surge com uma sobrancelha bizarra e um olhar psicótico. Ele entra no mato com uma das vítimas. A câmera o espera pacientemente. Ele sai. Sozinho, infelizmente… Desce a rua de patins ao som de uma trilha genérica sinistra e - enquanto isso - o chão vai sendo pintado de vermelho cor de sangue até que surge o título do filme.
Nada poderia ser mais insensível. Nada poderia ser mais maniqueísta. Nada poderia ser mais banal. Aliás, essa é a palavra que melhor define “Maníaco do Parque”. Um filme que banaliza tudo o que se propõe a discutir, principalmente quando resolve mergulhar no seu verdadeiro objeto de estudo. Porque a protagonista desse filme é Elena, uma jornalista iniciante à procura de reconhecimento que encontra a chance da vida ao ser a primeira a noticiar essa série de assassinatos. A ideia de centrar a história na redação de um jornal sensacionalista, tenho que confessar, era interessante. Ainda mais sendo o Notícias Populares, um veículo responsável por algumas das "reportagens" mais absurdas que o Brasil já leu.
É nesse cenário que Elena - uma personagem ficcional - queria escrever o seu nome. Nessa redação formada por homens. Em meio a desconfiança. Ao assédio. A desigualdade. Elena era a tentativa de Maurício Eça trazer uma nova perspectiva para essa história. Talvez de validar artisticamente ou dramaticamente o filme. Só que ele faz isso da pior forma possível. Elena nunca surge como um contraponto à figura de Francisco. As jornadas deles, na verdade, caminham em paralelo, juntas, unidas por um sentimento de obsessão que parece igualar os dois. Ele tirando vidas inocentes. Ela procurando pistas desesperadamente à procura do reconhecimento. É difícil entender…
Elena é retratada como uma mulher histérica, descompensada, inconsequente. Ela é reduzida à busca pela fama - o que no fim se torna a justificativa também para os crimes de Francisco. E isso até poderia ser um sintoma, parte de um estudo mais complexo sobre a angústia feminina num ambiente de trabalho formado por homens, mas não é. Porque Eça só está interessado mesmo em criar uma narrativa tensa impulsionada pela busca dela. E sempre preso a lógica linear dos fatos. “Maníaco do Parque” não tem nada de novo a dizer sobre os crimes. Não está interessado em traduzir/respeitar a dor das vítimas. Sequer se arrisca a enxergar algum traço de humanidade em Francisco. E quando tenta, como na cena do jantar na casa do patrão vivido pelo cantor Xamã, o negócio é constrangedor.
É inacreditável como a câmera de Eça não consegue dizer nada. Não consegue imprimir o terror em torno da presença do assassino. Ou o drama na jornada solitária da jornalista. E sempre com uma trilha sonora pop que destoa por completo da natureza trágica dos fatos. Para um filme que fala tanto em ponto de vista, “Maníaco do Parque” tenta escolher vários, mas não encontra nenhum. Não é um estudo psicológico. Não é uma crônica sobre o empoderamento feminino a partir de uma história real. Nem um comentário sobre a insensibilidade da imprensa. O filme que prometia expor o perigo na lógica sensacionalista, termina limitado a ela como 9 entre 10 representantes do gênero true crime.
Só que sem um pingo de ideias de como traduzir o frisson midiático em torno do caso. Ou o papel do jornalismo num mundo analógico. Mauricio Eça sequer investe num trabalho de pesquisa de imagens e arquivos da época. Eu sei que existem questões de direitos autorais envolvidas, mas até as narrações/reportagens dos jogos da Copa do Mundo de 1998 são recriadas de forma bizarramente fake. Nada aqui é convincente. Ou melhor, quase nada. A atriz Giovanna Grigio, é inegável, se esforça. Por trás do medonho arquétipo feminino existe um resquício de humanidade no olhar dela que, sob essa perspectiva, escancara a misoginia na sensacionalista cobertura do caso. É pouco. Muito pouco. Mas é onde o filme minimamente funciona, em especial, quando mergulha na criação de consciência daquela jovem repórter. Isso até se render a um discurso panfletário que reduz tudo ao óbvio.
“Maníaco do Parque” faz um retrato falado de um crime que chocou o Brasil com a profundidade de um tabloide de quinta. É grosseiro. É oportunista. É insensível. É incapaz de articular uma ideia original. Pelo menos, dessa vez, Mauricio Eça resumiu tudo em um único filme. O sofrimento, definitivamente, foi menor.
Nota: 3/10
“Maníaco do Parque” está disponível no Prime Video.