"Meu Casulo de Drywall" silencia a angústia dos seus personagens à procura de um mistério frustrante
Um filme promissor preso a fachadas
"Meu Casulo de Drywall" comete o erro que visa questionar. Esse é um drama que silencia as individualidades. Um filme engessado por uma estrutura narrativa que trunca a história de uma tragédia reconhecível para sustentar um mistério que dispersa o olhar para a verdade que se esconde numa ilusória fachada funcional.
Uma festa de 17 anos é o cenário do filme de Caroline Fioratti. Valentina (Bella Pierro) queria ficar a sós com os seus amigos. Comemorar ao lado deles num aniversário daqueles. Relutante, Patrícia (Marília Luisa Mendonça), a mãe dela, cede aos apelos emocionais da adolescente. O que poderia dar errado?
A pergunta, de fato, não é essa. E "Meu Casulo de Drywall" parte de um ponto intrigante ao enxergar o que estava errado. O vazio, aqui, é uma virtude. A superficialidade, à princípio, um sintoma. O luxo daquele apartamento de classe média alta prestes a ser ocupada por adolescentes inconsequentes esconde as aparências de uma família em ruínas. E aos olhos dos pivôs dessa tragédia nós mergulhamos num cenário que, como um adolescente à mercê do frisson hormonal, exala toxicidade em todos os poros.
Só que a diretora Caroline Fioratti prefere permanecer na superfície desses personagens. Ela investe numa estrutura narrativa não linear que nos afasta constantemente daqueles meninos e meninas numa relação de causa e consequência que ofusca a tragédia em carne e osso. A fachada parece sempre mais convidativa. O bastante para o propósito de um longa que tenta sustentar a nossa atenção com revelações pretensamente chocantes, mas que só alimentam o vazio que a diretora deveria preencher.
Muitas vezes com um senso de oportunismo gráfico barato. Valentina, em dado momento do filme, começa a ver feridas surgirem no seu corpo. A diretora recorre aleatoriamente ao 'body horror' para tentar traduzir o desajuste experimentado pela adolescente à medida que a sua vontade é colocada em segundo plano por todos naquela festa. A angústia está na pele. Na fachada daquela jovem que tinha aparentemente tudo. Mas o filme nunca acessa a intimidade dela. Porque o mistério em torno do destino de Valentina era o objetivo central.
"Meu Casulo de Drywall" se perde quando limita os personagens a uma casca repressora que serve única e exclusivamente a tentativa de truncar o olhar para a verdade de cada um deles. São poucos os momentos em que o filme se dispõe a ouvir. E muitos deles são bruscamente interrompidos por ações impulsivas que reforçam a falta de foco de um roteiro que parece condensar todos os problemas do mundo naquele pequeno grupo de jovens. Homofobia, machismo, relacionamentos tóxicos, depressão, automutilação, preconceito racial, desigualdade de gênero...
E até pela natureza delicada desses temas, é frustrante notar como Caroline parece muito mais interessada em criar alguma tensão a partir do efeito desse desajuste no destino dos protagonistas do que propriamente em enxergar as nuances por trás dos rompantes de toxicidade naquela festa. São atitudes drásticas. São decisões aleatórias. Por que tal personagem foi com uma arma para a festa? Por que aquele namorado era tão agressivo? Por que todos pareciam esconder algo?
As respostas surgem apenas como justificativas. Nunca como parte de um estudo profundo sobre a disfuncionalidade na realidade da falta de diálogo, da repressão e do abandono. A cineasta até assina algumas cenas que, isoladamente, reforçam as rachaduras naquela frágil fachada, mas nunca rompe de verdade com o fardo do mistério. E isso aproxima o filme de uma zona perigosa, principalmente quando notamos a abordagem insensível para temas que podem ser considerados gatilhos para tantos.
São escolhas narrativas e estilísticas que reforçam o problemático senso de prioridade de "Meu Casulo de Drywall", mas não diluem por completo o impacto do filme. Até porque, nos momentos em que se dispõe a ouvir, Caroline Fioratti consegue acessar a angústia mais íntima daqueles personagens. Todas as cenas envolvendo o deslocado Gabriel (Daniel Botelho), por exemplo, são desconfortavelmente reveladoras ao enxergarem a barreira invisível que separa mãe e filho. Um tema recorrente que ganha contornos genuinamente trágicos aos olhos desesperados da personagem de Maria Luísa Mendonça.
É na dor da mãe à procura de um porquê que "Meu Casulo de Drywall" alcança uma região dramática de fato. A invasiva - mas por vezes dispersiva - câmera da diretora encontra na expressão perdida de Patrícia a profundidade que falta ao filme como um todo. O elenco em geral, aliás, se deixa consumir pelo corrosivo clima de toxicidade da trama em performances que engrandecem cenas muitas vezes atropeladas por uma montagem confusa.
"Meu Casulo de Drywall" investe no estilo quando deveria demolir as fachadas que àqueles personagens não aguentavam mais sustentar. O mistério está em primeiro lugar num filme que busca uma linguagem cinematográfica hollywoodiana à procura - aparentemente - de uma validação comercial que o torna tão imaturo quanto os seus personagens.
“Meu Casulo de Drywall” chegou hoje nos cinemas.
Nota: 5/10