"O Dia que Te Conheci" revigora as comédias românticas com autenticidade - e realidade
Romance, humor e empatia!
O acaso é a pedra fundamental nas comédias românticas. Um esbarrão. Uma coincidência. Alguns minutos de atraso. Quantos filmes do gênero não se construíram a partir do instante em que o descontrole sobre uma situação corriqueira leva ao começo de algo totalmente novo? Muitos! Eu diria a maioria. “O Dia que Te Conheci” não poderia começar de forma diferente. O diretor André Novais Oliveira brinca com esses códigos do segmento ao trazê-los para a rotina de tantos.
Porque nas comédias românticas o acaso geralmente leva a grandes acontecimentos. A histórias de amor fulminantes. Romances cinematográficos. Paixões capazes de superar barreiras econômicas, comportamentais, sociais, reais e até sobrenaturais. Um gênero que tende a se afastar do cotidiano. Tende a idealizar o felizes para sempre. Tende a rir das angústias do nosso dia a dia. “O Dia que Te Conheci” queria mesmo poder se divertir alienadamente com os obstáculos que surgem pelo meio do caminho. Mas o mundo real não permite isso.
André Novais então se apropria das convenções das comédias românticas disposto a democratizar o gênero. O acaso empurra Zeca (Renato Novaes) para um dia daqueles. Com dificuldades para acordar, o bibliotecário perde a hora para o seu trabalho, vê o seu ônibus enguiçar no meio do caminho e - para piorar - acaba demitido após os seguidos atrasos. Um dia terrível, certo? Errado! Porque Luísa (Grace Passo), a mulher responsável por demiti-lo, resolve fazer um convite para Zeca. Uma oferta de carona que logo se transforma em algo com muito a revelar sobre a verdade dos dois.
Tudo é uma questão de perspectiva. “O Dia que Te Conheci” revigora um gênero frequentemente reduzido à lugares comuns ao enxergar o potencial inexplorado nas comédias românticas. O acaso, aqui, ao invés de se tornar um instrumento de escapismo, nos conecta mais e mais com os dilemas daqueles personagens. Porque os perrengues de Zeca são os nossos perrengues. A insegurança no emprego. A incerteza quanto ao futuro. O ônibus que quebra. O despertador que não toca. O remédio que não traz o efeito ideal.
Novais reutiliza clichês disposto a revitaliza-los a partir do choque com o cotidiano. A beleza em “O Dia que Te Conheci” está nesse olhar para o outro que extravasa o limite do interesse romântico. É sobre empatia. É sobre se reconhecer. É sobre descobertas que, antes de chegarem ao amor, encontram as dor. Mas não são feridas expostas. São aquelas cicatrizadas. Que precisamos lidar todos os dias. Zeca tinha as suas. Luísa também. E à medida que o acaso se transforma em oportunidade, o cineasta mergulha nessa relação em potencial disposto a rir, a entender, a subverter expectativas também.
Porque embora parta de uma premissa super comercial e se permita brincar com o senso de urgência do gênero (sempre com uma trilha positivamente destoante que remete à narrativas clássicas), André Novais foca no rotineiro. Nos diálogos entre dois “estranhos” que - ao se abrirem - descobrem ter muito em comum. São planos longos. Muitas vezes estáticos. Regidos por um texto que transborda naturalidade. Com atores em lugares sempre reconhecíveis/habitáveis. Num carro durante o trânsito da hora do rush. Numa sala como tantas. Numa rua à beira de um bar. O cineasta nos convida a, através da lógica do gênero, mergulhar naquilo pode parecer banal - mas nunca é. E isso é muito inteligente. Eu diria mais. É autêntico.
Uma tendência nessa renovada safra do audiovisual mineiro representada nos longas da produtora Filme de Plástico. É fascinante como tanto André Novais, quanto Gabriel Martins (do fenomenal “Marte Um”) pensam o cinema a partir da realidade. “O Dia que Te Conheci” possui as cores das comédias românticas. É um filme vigoroso. Cheio de composições estilosas que parecem “aquecer” a rotina dos dois. É expressivo. É bonito. É texturizado. O suor tá no rosto. O beijo tem sonoridade. O flerte está no sorriso maroto da independente Luiza (vivida pela maravilhosa atriz Grace Passô). Ou na timidez no olhar que esconde a crise de autoestima de Zeca (interpretado com delicadeza por Renato Novaes). Já o sentimento nasce do distanciamento que se transforma em intimidade. Em química. Em toque. Em presença.
"O Dia que Te Conheci” é um filme apaixonante. O que fica evidente quando o desfecho repentino - e potencialmente frustrante para um público acostumado a um ideal de final feliz - nos deixa com um irresistível gostinho de quero mais. Outra tendência nas melhores comédias românticas. O fim é sempre o começo de algo novo. Algo que, dessa vez, poderia também acontecer no “mundo real”.