Enquanto assistia "O Poço 2", continuação do indigesto filme original Netflix, eu só conseguia pensar numa única coisa: por quê?
Lançado em 2020, o fenômeno espanhol que viralizou na pandemia causou reações extremas ao usar uma prisão bizarra para tentar expor o efeito da desigualdade numa sociedade injusta. Nesse cenário, a gula surgia como um símbolo do capitalismo predatório, a fome como a pior das consequências dele e a violência como uma tentativa desesperada de reequilibrar a balança. A continuação, à rigor, parte desse mesmo ponto, só que agora a protagonista é uma jovem (a talentosa Milena Smit) que percebe as perigosas distorções na tentativa de se estabelecer um regime igualitário naquele cenário distópico.
O problema é que "O Poço 2" mergulha de cabeça num conceito raso que mais uma vez não é devidamente desenvolvido. O diretor Galder Gaztelu-Urrutia assina um filme visceral que não expõe nada. Uma sequência que quer explicar elementos do original, mas não tem nada a dizer. Uma obra política, mas que prefere sempre se isentar. O que fica evidente quando percebemos que a continuação nada mais é do que um contraponto ideológico ao filme anterior. No original, a ideia de superioridade ostentada pelo primeiros "andares" dessa prisão na relação com os demais era o agente da distorção - numa clara alusão às dinâmicas sociais num regime capitalista.
Já nessa continuação que, na verdade, se passa um período - quem sabe ou se importa? - antes do primeiro longa, Urrutia volta a sua mira contra a fragilidade de um ideal utópico de igualdade facilmente manipulável por forças que, na visão do diretor, tenderiam à opressão na busca pela ordem. Na prática, o realizador assina uma continuação que, na tentativa de mais uma vez exaltar o poder do indivíduo em transformar o 'status quo', se opõe contra um sistema igualitário comunista/socialista que, aos olhos dele, ceifaria a liberdade dos seus colaboradores e poderia ser indiferente às necessidades do todo.
O problema, à rigor, não está na visão política do diretor. Nem na falsa equivalência entre modelos totalmente diferentes em suas virtudes e desvios. O frustrante é notar a incapacidade de "O Poço 2" em fincar uma bandeira. Em defender um ponto. Em estabelecer um comentário sobre a realidade que ele quer expor - ou capitalizar sobre -seguindo a lógica do cinema de gênero. O cineasta - mais uma vez - se contenta em usar a barbárie como sintoma de um mundo caótico refletido naquela estrutura. Tudo é jogado. Vazio. Confuso… O capitalismo é o “problema” no original. O socialismo é o “problema” na continuação. Qual é a saída? No que ele acredita de fato? Urrutia tentou ser anárquico nessa continuação, mas só soou inocente e contraditório. Tanto que, após mais 90 minutos de violência gratuita e exploração da miséria humana, o filme chega ao mesmo denominador comum do longa original. Só que dessa vez sem qualquer coesão narrativa ou dramática.
Porque a jornada de Perempuán nasce e morre na aleatoriedade. A ideia de centrar a história numa personagem feminina, na verdade, era até promissora, e o filme ensaia propor uma crítica sobre a farsa do discurso igualitário sob a perspectiva delas, culminando na cena mais verdadeiramente indigesta do longa. Só que o roteiro é incapaz de desenvolver as motivações da jovem ou a relação dela com esse claustrofóbico cenário distópico. Perempuán age e reage seguindo conveniências que deveriam esclarecer alguns segredos sobre aquele lugar (e detalhes do longa anterior), mas só acabam por dispersar a nossa atenção. O filme que "acontece" nas elipses nunca é devidamente retratado em cena. E tudo fica pior quando Urrutia parece se perder na clausura daquela prisão. Só isso explicaria o inacreditável último ato. Só isso explicaria o total desdém do texto para com o destino da sua protagonista.
Nem o senso de explicitude visual do longa é capaz de gerar algum tipo de desconforto. "O Poço 2", no fim, prova que o elevador da mediocridade pode sempre descer alguns andares mais abaixo. Aliás, chamar esse filme de medíocre é um elogio que ele definitivamente não merece.
Nota: 3/10
“O Poço” está disponível na Netflix.