"Sidonie no Japão" tem Isabelle Hupert inspirada, mas se perde no choque cultural
Curioso estudo sobre o luto esbarra no vazio do rigor visual
“Sidonie no Japão” se constrói a partir de elementos antagônicos que se recusam a conversar entre si. Drama e comédia. Vazio e presença. Rigidez e intimismo. A beleza estaria na mistura desses ingredientes, mas a diretora Élise Girard prefere estabelecer barreiras impenetráveis que limitam o seu estudo de personagem.
São contrastes que, aqui, dizem muito sobre o momento de Sidonie (Isabelle Huppert). Uma mulher num eterno luto. Uma escritora que não conseguia mais escrever. Em estado de inércia, ela recebe um convite para viajar ao Japão para o relançamento do seu primeiro livro. Apesar de relutante, Sidonie decide embarcar, sem saber que 11 horas depois conheceria Kenzo (Tsuyoshi Ihara), o produtor da turnê que mudaria a sua vida.
É interessante como “Sidonie no Japão” se aproxima da tragicomédia ao criar um desajuste inicial a partir do choque cultural. Girard fisga ao enxergar o humor a partir do senso de formalidade japonês colocado em perspectiva diante da total falta de rumo da protagonista. A magnífica Isabelle Hupert arranca risadas involuntárias enquanto traduz a dificuldade de Sidonie em entrar em sintonia com aquele lugar - e isso reflete perfeitamente o momento da escritora.
“Sidonie no Japão”, contudo, se perde nas suas intenções ao colocar a rigidez formal em ênfase, mas ás custas das construção/desconstrução de uma personagem tão rica. O que começa levemente irônico, se torna um tanto redundante à medida que notamos o olhar distante da realizadora para o cenário nipônico. Ela se limita a formalidade. A um Japão de tradições. Um país tão melancólico quanto a sua protagonista. Um olhar - diga-se de passagem - bem contestável em sua superficialidade.
São espaços nunca preenchidos. São planos simétricos que engessam os sentimentos. As cenas no carro, em especial, que deveriam refletir a aproximação/distanciamento dos protagonistas, acabam se revelando lacônicas quando, fora dela, a cineasta segue privilegiando a forma enquanto um agente que parece sufocar os personagens. E tudo fica ainda mais "confuso" quando a figura do ex-marido morto surge trazendo um ingrediente pitoresco que o filme nunca é capaz de explorar.
Por mais que a construção visual caricata dessa assombração seja até interessante - a referência ao hit "Ghost" é espirituosa, Girard nunca explora o potencial cômico da situação. Ele nunca se deixa levar pelo caos que, aos poucos, começa a rivalizar com a melancolia causada pelo luto. E sempre interferindo demais na percepção do público. Sempre tentando truncar o que poderia ser simples com planos que se seduzem pelo vazio, enxergam a beleza nele, mas nunca mergulham nos espaços que unem/afastam os personagens.
“Sidonie no Japão” queria muito ser uma versão ocidental de "Drive My Car", mas, para isso, sacrifica as suas virtudes, em especial, o olhar tragicômico para as fases do luto a partir da perspectiva de uma escritora diante de uma das páginas mais peculiares da sua vida. Isabelle Hupert não decepciona. Já o filme...
Com distribuição da Imovision, “Sidonie no Japão” chegou hoje nos cinemas.
Nota: 5/10